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Channel: Jairo Marques
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“A Teoria de Tudo” e um debate sobre a realidade da condição humana

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Todos os recortes que tenho acesso sobre a vida do cientista Stephen Hawking me causam horas e horas de pensamento em relação ao tal “sentido da vida” e sobre as possibilidades infinitas de seguir adiante, seja do jeito que for.

“A Teoria de Tudo”, trama que está agora nos cinemas e que concorre a cinco Oscar, inclusive ao de melhor filme, de melhor ator e de melhor atriz, além de me trazer novos elementos a respeito da trajetória deste gênio, vítima de uma doença degenerativa grave, faz um debate de fundo sobre as possíveis “obrigações” que envolvem a deficiência e seu entorno.

Não vou discutir aqui os aspectos de qualidade cinematográficas, embora a atuação de Eddie Redmayne, que interpreta Stephen, seja impressionante e emocionante. Quero me ater à passagem do casamento e a vida íntima do físico retratada no filme.

Já com o diagnóstico perverso da doença degenerativa, aos 20 anos, Jane Wilde, então namorada de Hawking, decide seguir junto a ele e ter uma vida com ele, se propondo a enfrentar junto às novas condições de vida que ele teria.

Jane cuida atentamente do marido, incentiva a continuidade da carreira, entende suas limitações e tem três filhos com ele (em nada a enfermidade, tão perversa ao sistema motor, interfere na parte sexual). Há, no filme, um destaque importante para esse zelo, mas sem exageros, a meu ver.

Naturalmente, porém, igual a tudo na vida, igual ao que pode acontecer com qualquer pessoa, os sentimentos de Jane e de Hawking vão se modificando, vão deixando de ser uma relação de homem e mulher.

Achei muito corajoso e sensível por parte do diretor, James Marsh, entrar nessa discussão, mesmo que de uma forma sutil e um tanto delicada.

Para mim, a relação de um casal em que um dos dois se torna deficiente precisa se nutrir de amor, de cumplicidade, de atração, de tesão, de admiração, de afeto e de respeito. O componente da “obrigação” em estar junto não cabe nessa equação, por mais que haja uma certa pressão social, religiosa e íntima nesse sentido.

O amor entre uma pessoa com deficiência e outra sem deficiência só vai se sustentar como algo positivo e verdadeiro quando não há embutida na relação uma “responsabilidade” ou uma missão a ser cumprida. No caso do surgimento desses fatores, o fracasso é praticamente inevitável.

O aspecto de cuidar do outro pode, sim, se intensificar com o passar do tempo, se tornar mais custoso e até causar um desconforto momentâneo, mas, nesse caso, é muito necessário que se busque uma solução. Não há como resistir quando um dos lados se torna apenas um enfermeiro ou enfermeira do outro.

Em “A Teoria de Tudo”, as consequências de um amor que se sustenta por um caráter de “dever a ser cumprido” são mostradas sem mimimi, sem se preocupar com o sentimento de um espectador mais melindrado que pode avaliar como um “abuso” retratar um cidadão tão ferrado tendo de enfrentar uma situação amorosa adversa…

Nesse sentido que vibro com o cinema gringo e vaio as iniciativas nacionais de querer retratar as diversidades físicas e intelectuais, sempre protegidas por uma aura de caridade e sentimentalismo que cria seres humanos a parte, inverídicos.

Ficar preso em uma relação sem a presença de um sentimento realmente sólido, mútuo e com planos pode ser bem mais dramático que conviver com a própria deficiência. Um casal não pode ser visto apenas como “puxa, como é bonito o que ela faz por ele”, mas, sim, pela impressão de afeto, de admiração e de desejo que imprimem, em qualquer situação.

Há outros diversos aspectos interessantes sobre a realidade da condição humana em “A Teoria de Tudo”, além de debates curiosos sobre a origem do universo, sobre verdades absolutas, sobre comprometimentos. Vale demais o ingresso!


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